A história de Nivaldo Eduardo, um dos primeiros milionários com a Loteria Esportiva no Brasil, que hoje mora na rua e sofre com hanseníaseEra uma vez um jovem de 20 e poucos anos na idade e nas prioridades de vida, estômago e veias sempre calibrados pelos melhores uísques que o dinheiro pode comprar, cercado pelas melhores mulheres cuja companhia pode ser alugada, certo de que ser um nababo é uma condição perene como ser um diabético, por exemplo. Pois aquele moço, que viajou do padrão de assalariado para a rotina de milionário apresentando um bilhete com o placar certeiro de 13 jogos de futebol, agora é este homem abandonado na região do Aquidabã, sobrevivente das migalhas de quem deixa um carro estacionado aos seus cuidados. Nivaldo Eduardo dos Santos, um dos primeiros milionários do Brasil com a Loteria Esportiva, aos 62 anos, perdeu de goleada uma partida em que enfrentou a soberba.O conto de fadas que nas histórias da carochinha persiste até alguém ser feliz para sempre para Nivaldo durou, no máximo, seis anos. E seu maior pecado foi apenas ter ficado rico repentinamente com 27 anos de idade. “Que experiência que eu tinha?” A bolada recebida por Nivaldo equivaleria hoje a um pouco mais do que R$6 milhões, valores atualizados pelo Índice Geral de Preços ao Consumidor, da Fundação Getúlio Vargas.Dinheiro suficiente para comprar mais de 300 carros populares, ou cerca de 60 apartamentos de três quartos em um bairro de classe média de Salvador, ou ainda 950 mil sanduíches Big Mac. De certa forma, o prêmio foi torrado nesse tripé: carro, moradia e gastronomia, além de sessões de um hedonismo proporcional a sua conta bancária.Credita toda a sua ruína a investimentos malfadados em letras mortas e sociedades em negócios falidos, principalmente na instalação do primeiro check-up eletrônico para veículos em Salvador, a Oficina Auto Elétrica 2001, nos Dendezeiros, que originou processos trabalhistas dos quase 20 empregados e uma dívida com a Justiça, que ele precisou pagar cumprindo pena na detenção. Mas parece tomado de uma conveniente amnésia que o faz esquecer dos esbanjamentos em até cinco Dodge Dart ao mesmo tempo na garagem e que se algum arranhasse a lataria no meio-fio, ele providenciaria passar adiante e comprar um novo na sempre solícita concessionária. E não faz questão nenhuma de mencionar que foi o responsável pela emancipação imobiliária de grande parte das mulheres damas do Pelourinho, que conseguiram comprar casas próprias graças a sua generosidade de cliente priápico e bem-dotado financeiramente.Na fase boa, fazia da ponte aérea Salvador-Rio de Janeiro um percurso tão banal como ir do Farol da Barra até a praia de Stela Maris. Se tinha jogo do Bahia no Maracanã, pagava a viagem de 20 amigos, de avião, para a capital carioca. Nivaldo já foi assíduo companheiro das mulatas de Sargentelli, hoje vive na sarjeta.Frustração ocultaÉ do tipo que insiste nunca ficar arrependido, frustrado ou saudosista do período de fausto. Só que todas as suas narrativas querem provar o contrário. Lembra com exatidão o valor do prêmio (2,976 milhões de cruzeiros novos), a data da extração (16 de julho de 1972) e até o número do concurso (nº 96, já que a loteria tinha sido criada em abril de 1970). É como aquele namorado que teima em dizer não sofrer com o fim do relacionamento, mas não esquece o dia em que começaram a namorar, a roupa que ela estava usando e até o perfume com aroma de pêssego misturado com alfazema e uma leve fragrância de pasta de dente, cabelos lavados com xampu de babosa.Antes, podia gastar o equivalente a R$1 mil por dia que não pensava em pobreza. Hoje, precisa dormir num albergue na Barroquinha e batalha por uma aposentadoria por invalidez. Como se não bastasse a desgraça monetária, Nivaldo ainda é hanseniano. Os dedos encolhidos e parecendo estar pela metade, a pele descascando em úlceras brancas e secas dão os contornos miseráveis de um corpo sendo carcomido pela doença, enquanto a alma é corroída por lembranças. A diferença é que a primeira, cientificamente chamada de hanseníase, é perfeitamente curável com os medicamentos que ele toma. O segundo mal-estar é de difícil tratamento e um dos principais sintomas é o murmúrio reincidente que se ouve como um suspiro: “Que experiência que eu tinha?”O novo-pobre fala com a boca mole, desdentada, também ela hipotecada pela miséria. Tinha a maioria dos dentes de ouro e quase todos foram extraídos para pagar os estertores de sua riqueza. Os primeiros foram trocados por uma dívida, já os últimos serviram para pagar comida.Já foi vizinho de craques do Flamengo, nos apartamentos de Ipanema, hoje passa a maior parte do tempo ao lado do casal Ivan e Maria, que estendem um lençol de mendigos na calçada e colocam o filho Ivanzinho como refém e vetor da sensibilidade alheia. Garante não ter arrependimento. “Se tivesse, me suicidava, como já vi muita gente se jogando de carro da ponte Rio-Niterói”.
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